Relatório Le Lis Blanc

Relatório Le Lis Blanc

RESTOQUE S.A.

Andréia Miguens, 10 de janeiro de 2023

 

A marca que começou em 1988 no shopping Iguatemi de São Paulo, hoje, já se encontra em diversos “Iguatemis” pelo Brasil. Representada formalmente pela S.A. Restoque Comércios e Confecções de Roupas, a Le Lis Blanc criou e incorporou ao longo dos anos as marcas BO.BÔ, John John, Rosa Chá, Dudalina e Individual. No final de 2022 a companhia divulgou que passará a ser chamada de VESTE S.A.

 

A Le Lis Blanc (ou Restoque) é uma marca “que traduz o estilo de vida contemporâneo, focada numa consumidora bem-informada e exigente”, conforme descrito no site da própria marca. Oferece versatilidade, peças com tecidos e cortes de excelente qualidade. Conta também com produtos infantis e acessórios do lar, mas seu foco é a venda de roupas. Busca transmitir refinamento desde a etiqueta da peça até a decoração em loja.

 

A Restoque S.A. é listada como LLIS3 e na B3 e recentemente criou/incluiu a LLIS1 na bolsa, inicialmente cotada a um centavo. Atualmente, a situação econômico-financeira da Sociedade não tem sido boa. A criação da LLIS1 foi uma estratégia recentemente adotada pela marca com o intuito de manter a S.A. ativa e iremos aprofundar o tópico adiante, mas antes é necessário o explanar o panorama geral e, para isso, resgatamos aqui os resultados dos dez últimos anos da marca.

 

Receitas

Até 2014 o movimento da Le Lis foi de expansão por meio da aquisição contínua de marcas em destaque no mercado alinhadas à sua proposta de roupas de qualidade, alto padrão de costura e preços mais elevados. A estratégia se mostrou bem sucedida principalmente pelo fato da própria empresa Le Lis Blanc como as demais adquiridas já terem formado suas identidades, conquistado seus públicos e estabelecido seu lugar no mercado de roupas e acessórios.

 

Assim, é notável a elevação contida, mas crescente da receita alcançada pela S.A. até 2014 com um salto consequente dessa expansão que se manteve constante até 2018. A partir de então esse comportamento mudou.

Receitas Le Lis Blanc
Receitas Le Lis Blanc

 

Seria possível atrelar a queda brusca de receitas aos impactos da pandemia, entretanto, a redução considerável de vendas já se iniciava em 2019. Foi um ano divisor de águas, pois nesse momento a marca decidiu reestruturar as operações/logística da marca e remodelar a identidade da marca atualizando (ou mesmo reinventando) o conceito, imagem e modelo de venda em algumas frentes.

 

A Restoque S.A. objetivou tornar a marca mais exclusiva por meio de estratégias ousadas (leia-se arriscadas) como elevação de preços — considerando que o ticket médio já apresentava uma média alta — e corte de outras fontes de renda como a venda por atacado e revenda por lojas multimarcas. Segundo relatório da organização em 2019, o corte no atacado online resultou na perda de R$ 207,9 milhões em receita. Essa queda perdura até 2020, sendo o pior desempenho da marca.

 

A partir de 2021 já se percebe melhoras significativas, mas ainda distantes do potencial já alcançado. O que vem sustentando o crescimento nos dois últimos anos foi principalmente o investimento na B2C Digital representando o e-commerce da marca e parcerias que vêm sendo feitas com clientes comercializadores de multimarcas (Canais B2B e B2C e outlets).

 

Em determinado momento a marca volta a elevar a receita a partir da estratégia adotada de negociar os debêntures com os respectivos detentores e trocá-los por ações. Eis que surge a LLIS1, criada para que essas detentoras convertam seus debêntures pelas ações compradas da LLIS1. Isso pode parecer um pouco confuso, mas em suma a Restoque S.A. implementou uma estratégia de forma que a beneficia, pois possibilita liquidar elevado valor de dívidas e ao mesmo tempo recuperar o desempenho no mercado de capitais da LLIS3.

 

Custos

Concomitantemente, a proporção de custos de produção esteve próxima de duplicar entre 2018 e 2020. A partir desse momento os custos vêm decrescendo, esperando-se que chegue a parâmetros usuais de períodos anteriores.

CMV Le Lis Blanc
CMV Le Lis Blanc

Segundo relatório de resultados da Restoque em 2019, os custos foram afetados pela reestruturação e integração do processo fabril, de forma que um dos centros de produção/distribuição foi fechado, resultando na queda de produtividade e aumento do custo unitário de produto. Entretanto, não foi o único fator de elevação dos custos.

 

Dívidas

O endividamento líquido tem subido fortemente nos últimos anos após para cobrir os prejuízos e quedas de faturamento da Restoque. Em 2022 é esperado que o endividamento líquido seja 33% maior do que o faturamento anual da empresa.

Endividamento Le Lis Blanc
Endividamento Le Lis Blanc

 

Foi necessário renegociar suas dívidas para sobreviver. Com a aprovação da proposta de abatimento da dívida em 93% a situação da Restoque, que já vinha melhorando aos poucos, mostra potencial de ser normalizada. Desconsiderando a 12ª emissão de debêntures, apresenta-se os resultados financeiros atuais da S.A. e impacto da renegociação neles.

Resultados Le Lis Blanc
Resultados Le Lis Blanc

Nos últimos anos o pagamento de juros tem representado em média 15% do faturamento, um valor extremamente auto e prejudicial para a saúde financeira da empresa. Até setembro de 2022 essa proporção atingiu 23,88%, uma marca insustentável para qualquer empresa.

 

Resultado Final da S.A.

A marca tem tido resultados bastante insatisfatórios nos últimos anos, com exceção de 2017 e 2018. Infelizmente o resultado de 2017 foi um resultado artificial que só se tornou um lucro após reconhecimento de créditos tributários em valores superiores a R$448 milhões que foram posteriormente retirados em 2020, agravando ainda mais o prejuízo da empresa. Em 2020 e 2021 também houve um ajuste de redução dos resultados causado pela redução da expectativa de resultados gerados pela Dudalina, uma das marcas do grupo, jogando os resultados para baixo.

 

Mesmo possuindo custos muito baixos em relação a outras empresas do setor de vestuário a empresa tem tido um dos piores desempenhos porque as vendas não tem crescido na mesma medida que os juros que tem estado em um patamar extremamente alto.

Lucros e prejuízos Le Lis Blanc
Lucros e prejuízos Le Lis Blanc

 

Essa queda representa justamente os efeitos da diminuição de receita de vendas e aumento de custos, ambos convergindo no momento em que a marca decide fazer a remodelagem de negócio com ações que impactaram as vendas, tal como:

 

  • Redução de participação nos canais de descontos tanto no contato com vendedores multimarcas como também na operação do site “Estoque”, exclusivo de produtos de coleções passadas da S.A. O site passou a funcionar apenas organicamente, sem divulgação online, segundo relatórios da marca e isso impactou diretamente na queda de 62,5% das vendas do site; e
  • Diminuição elevada das promoções feitas nos sites das marcas da Restoque, com o intuito de passar a sedimentar a realização das vendas em preço cheio.

 

Segundo relatório de 2019, essa decisão é baseada em “(i) convergência de estruturas de coleções e produtos para parâmetros históricos e de sucesso comprovado quanto a dimensionamento, proporções entre linhas de produtos, mark-up, representatividade relativa de faixas de preços; (ii) precificação diretamente associada à percepção de valor dos produtos; (iii) unificação dos canais de venda online e varejo (omnichannel); e (iv) forte atualização tecnológica”

 

O problema é que, para sustentar essa proposta tiveram que emitir constantemente elevados valores em debêntures para gerar mais caixa, uma vez que não havia receita suficiente para bancar suas obrigações, A emissão ocasionou o aumento no Imposto de Renda e Contribuições como também nos juros advindos da ação. Com isso, também alongaram (e criaram novas) dívidas da marca.

 

Com a explanação econômico-financeira realizada, trazemos algumas conclusões acerca das decisões e gestão da marca.

 

 

Falta de flexibilização frente às mudanças de mercado, principalmente de varejo popular

 

Ao entrar em uma Renner ou C&A, já se identifica avanço notável na qualidade das roupas e atualização de acordo com as tendências da moda. A classe média/alta não hesita mais em comprar looks ou peças pontuais em lojas de departamento.

 

Não é à toa que, apesar de oferecer produtos com ticket elevado, lojas como Shoulder, Animale e Colcci buscam suprir essa perda de demanda com promoções estratégias cada vez mais adotadas e o leitor irá reconhecer essas mensagens:

  • ”Após essa compra, você ganhou proporcionalmente R$ xx,xx de desconto na próxima compra”
  • Promoções cumulativas com a oferta de “se comprar 4 peças, você ganha 40%, se 5 peças, 50% de desconto”
  • “Usando o cupom do vendedor, você ganha 10% de desconto e frete grátis se comprar na nossa loja online”, sem falar dos descontos exclusivos da loja online
  • “Parabéns, você ganhou um cupom de R$ xx,xx na compra mínima de R$ yy,yy.”

 

Vale atenção para a proximidade que o vendedor tem criado no atendimento personalizado ao cliente, desde oferecer seu código de vendedor para desconto até avisar os clientes por WhatsApp quando chega a peça que ele se interessou na última compra, mas não tinha o seu tamanho no dia.

Embora conhecidas pelo ticket médio alto, essas lojas também realizam periodicamente promoções com desconto elevado chegando em até 70%, mensagem que chama o cliente para a loja, mesmo que o desconto seja em poucas peças.

 

Disputar o cliente com a concorrência tem sido um desafio cada vez maior para as marcas mais caras — e aqui não incluímos marcas como Dolce, que já são classificadas em outro patamar de grife.

 

A estratégia adotada (e continuada no período pandêmico) que prejudicou as vendas  das marcas foi o objetivo de vender mais unidades em preço cheio e manter esse ritmo, havendo reduções em até 78% no número de promoções em 2018, por exemplo. A marca inclusive tem tido menos promoções na Black Friday nos últimos anos para manter o status de marca de alto valor, o que tem afetado diretamente as vendas e até o número de lojas, como podemos ver no gráfico abaixo.

Número de lojas Le Lis Blanc
Número de lojas Le Lis Blanc
Ticket médio Le Lis Blanc
Ticket médio Le Lis Blanc

 

É possível identificar a correlação entre o aumento do ticket médio nas marcas da Restoque S.A. com o fechamento de suas unidades. Um caso chama mais atenção e possibilita descrever mais detalhadamente as consequências da decisão de “remodelar o negócio” tomada.

 

O tiro no pé da Rosa Chá

 

Conforme relatório da Restoque S.A. de 2019, a Rosa Chá “obteve em 2018 um incremento de 286,1% em ticket médio, devido ao reposicionamento da marca promovido em meados de 2017.”

Resultados Restoque
Resultados Restoque

 

Inicialmente, a marca era voltada para o público jovem adulto com identidade bem estabelecida e diferenciada, apresentando ticket médio já considerado elevado em comparação a outras marcas como com estilo e públicos similares. Possuía venda estável, constante e lucrativa.

 

Eis que a Restoque traz uma proposta interessante de atualização da marca com investimento elevado em comerciais e campanhas publicitárias com a famosa Gisele Bundchen. Entretanto, o público não esperava que, com isso, a Rosa Chá mudaria radicalmente o preço, público e até mesmo estilo. Ao invés de modernizar, implementaram outro conceito em cima de uma marca conhecida e querida/desejada pelo seu público. Qual o efeito disso? Conseguiram perder grande parte do seu público, insistiram nessa decisão junto às demais da Restoque como reforço dos preços cheios e exclusividade.

 

Funcionários que trabalhavam na Rosa Chá foram realocados na John John, marca que felizmente vem sustentando o direcionamento ao público jovem majoritário da S.A. Assim, a insistência nessa mudança culminou para que em 2022 a Restoque informasse a finalização do processo de encerramento das lojas físicas da Rosa Chá. Com fechamento finalizado das lojas físicas da Rosa Chá em 2022, sendo voltada agora somente aos canais digitais e no B2B.

 

O que podemos aprender com o grupo

 

Em uma linha cronológica, começamos reconhecendo o objetivo de expansão da Restoque sem perda de identidade, a S.A. soube estabelecer seu posicionamento de marca desde o início, reforçando em suas aquisições a imagem que desejava passar como qualidade e alto padrão de vida. A compra feita foi certeira, no sentido em que selecionou marcas já estabelecidas no mercado, com boa reputação e seu público alvo conquistado.

 

Na seleção realizada soube departamentalizar as faixas etárias e estilos de acordo com momentos por loja para atender um público-alvo já seleto. Fica evidente, por exemplo, que a Le Lis é voltada à mulher adulta e financeiramente estabelecida, havendo inclusive uma linha de produtos para casa e a Petit para o público infantil (considerando que as clientes possam ter filhos); enquanto a John John é voltada ao público jovem. A Dudalina é voltada ao vestuário “profissional” com blusas sociais. Assim, a marca soube “diversificar” nas frentes ao seu alcance considerando um público-alvo específico.

Outro ponto positivo foi o investimento em tecnologia e canais próprios de venda pela internet e integração produtiva/logística.

 

Frente à situação econômico-financeira negativa da marca, realizaram uma movimentação estratégica no mercado de capitais com a criação da LLIS1 e a negociação/conversão de debêntures em ações. Foi um momento em que a marca tomou medidas extremas para situações extremas e teve que aceitar o fato da impossibilidade de manter a organização sob seu controle majoritário na situação financeira que se encontrava. Ressalta-se que nessa situação, a marca também soube pensar em uma solução financeiramente fora da caixa, uma vez que não adotou estratégias mais “comuns” como diminuição de preços, corte de custos, (outra) remodelagem da marca e por aí vai.

 

Algumas críticas já evidentes e explicadas começam pelo questionamento “Não se muda time que está ganhando”? Claro que marcas podem se reinventar, é até esperado em muitos casos para se manter no mercado. Mas deve-se ao certo se uma decisão ousada vale a pena o risco e quando parar se não der certo. Como dito, a marca Restoque já adquiriu marcas “prontas” com públicos conquistados. O que ela fez com a Rosa Chá foi descartar pelo menos metade do público conquistado e mudar até a identidade ao ponto que a marca fica mais próxima da Le Lis, perdendo nesse caminho também uma faixa etária que já havia captado no mercado.

 

Outro problema foi a falta de considerar a sobrevivência antes do posicionamento. Fica clara a intenção da S.A. de se posicionar como marca de luxo voltada a um público-alvo específico querendo transparecer também um estilo de vida específico. Mas essa reafirmação (ou mesmo reposicionamento) foi iniciada antes da pandemia. Foi um momento de retração no mercado de varejo e a marca seguiu insistindo em uma estratégia que a fazia perder receita em um momento em que as prioridades de compra deixaram de envolver roupas por um tempo. Voltar a fazer descontos e continuar investindo em outras fontes de receita como revenda por multimarcas (e o próprio site de revenda de promoções passadas) não seria prejudicial à imagem que a marca deseja passar, uma vez que já fazia isso.

 

No final de 2022 a empresa divulgou a mudança do CEO, um aporte de R$ 100 milhões que serão usados para reformas de lojas físicas e investimentos na transformação digital da empresa para tentar reverter a situação financeira insustentável,

 

Resumo Relatório Le Lis Blanc

Até o 2014 a Restoque foca em expansão da marca mantendo sua identidade e posicionamento de marca com crescimento de receita contido e contínuo até que atinge níveis elevados de venda e lucratividade. A partir da decisão de remodelagem do negócio, perde fontes de receita enquanto aumenta consideravelmente seus custos voltando-se à modernização, tecnologia e integração logística da Restoque como um todo.

Em suma, a marca pareceu se preparar para dar um passo para trás para dar dois para frente. Entretanto, após essas decisões e investimentos, antes de dar o primeiro passo para frente, surgiu a pandemia, que somente acarretou os custos anteriores.

 

Faltando caixa para a empresa pagar seus custos e obrigações, a S.A. passou a emissão elevada de debêntures para gerar esse fluxo, entretanto, incorrendo aumento nos impostos e elevação alta de juros. Além disso, aumenta seu endividamento continuamente em meio a uma crise econômica que tem prejudicado as vendas de todo o setor.

 

Mesmo ainda em prejuízo, a empresa vem retomando aos poucos o movimento de aumento de receita, lucros e diminuição de seus custos. Por fim, a Restoque criou a LLIS1 e realizou a renegociação de debêntures, conversão em ações e abatimento de dívidas, que foram implantados no final do terceiro trimestre de 2022. Por enquanto, resta aguardar os resultados finais de 2022 e acompanhar/torcer pela retomada da marca.

 

 

DISCLAIMER: As informações contidas neste relatório Le Lis Blanc não constituem, nem tampouco devem ser interpretadas como um conselho, recomendação, oferta e/ou solicitação para compra ou venda de ações, títulos, valores mobiliários e/ou de quaisquer outros instrumentos financeiros.

 

Este relatório foi elaborado a partir de informações publicadas no site de relações com o investidor da Restoque.

 

Veja também: 

Relatório do Burger King Brasil (Grupo Zamp)

Relatório do Grupo Renner

Relatório das Lojas Marisa

Relatório C&A

Relatório Arezzo

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